Um dia antes de começar a guerra entre Rússia e países da NATO, devido à invasão da Ucrânia, pelos russos, começou o Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, na sua 23ª edição presencial.
Esta quarta-feira, dia 23, eram premonitórias as palavras de Soromenho-Marques, na Conferência de abertura, às 15h00, de que vivemos numa era de risco, finitude e egoísmo.
Viriato Soromenho-Marques, filósofo e profundamente humanista/ambientalista, abordou um futuro em que o Homem está perto da extinção, num presente onde já se ultrapassou o limite do “relógio de perigo” inventado por Charles Keeling, em 1958. Este “relógio” é um “protocolo” que mede a concentração de dióxido de carbono na atmosfera.
Sim, as alterações climáticas são uma realidade, são o nosso presente, há estudos científicos que provam e não há como escamotear, explicou Soromenho-Marques a quem porventura na sala ainda tivesse alguma dúvida.
E, tal como o filósofo também aludiu, o Homem tem vivido mais preocupado com os estudos que conduzem à criação de riqueza das empresas ou ao aumento de poderio bélico dos Estados. “Ambiente? Sustentabilidade do planeta?” isso são preocupações para cientistas lunáticos…ainda ontem Soromenho-Marques dizia isto no Cine-Teatro Garrett. E não é que, hoje, a notícia da manhã é que começou a guerra às portas da Europa?
A conferência de abertura não podia estar mais atual, até mesmo, à frente do seu tempo. Devido à “distração da guerra” lá vai ficar adiada a reflexão ou ação sobre os problemas que afetam o planeta, que o corroem…e consequentemente, que vão matando aos poucos a humanidade!
O que vale mesmo é que o Correntes d’Escritas é habitado por seres especiais desta Humanidade em vias de extinção, que nos embalam o pensamento e nos afagam a alma.
A Mesa 1 que se realizou pouco depois, às 18h00, contou com quatro autores cativantes, ao som do “Samba da Utopia”: Laborinho Lúcio, Filipa Leal, Fátima Chiziane e Paulo Scott.
O autor de “Na Sombra da Azinheira” citou autores maiores como Eugénio de Andrade e José Saramago, referindo que as palavras funcionam como “o som de qualquer história”.
Filipa Leal referiu-se ao regresso a um mundo sem máscaras, com a poesia a poder ser “arma contra o ódio”.
O brasileiro Paulo Scott abordou um país com palavras de ódio e a necessidade de “combatermos o crescente avanço da extrema direita”.
A Mesa 2 teve lugar à noite, moderada por Carlos Vaz Marques. Participaram Adolfo Luxúria Canibal, Fernando Ribeiro, Mafalda Veiga e Mù Mbana, ao som de “Verdes Anos” de Carlos Paredes.
Mafalda Veiga afirmou-se nostálgica da guitarra portuguesa, cujo som a acompanhava na infância, considerando a música como a “banda sonora privada de todos nós”.
Os fundadores de bandas rock, como Adolfo Luxúria Canibal e Fernando Ribeiro, deixaram testemunhos da importância dos livros e da poesia nas suas vidas e também na música.
O autor guineense deu conta de que a música está presente em todos os momentos e aspetos da nossa vida, até mesmo na morte. Recordou que o primeiro funeral que assistiu nos seus verdes anos marcou-o através do “cantar do choro dos seus familiares”.
Angélica Santos